Dizem que ela existe pra proteger

Reportagem que fiz para a Revista Adusp número 53, capitaneada pelo parceiro Pedro Pomar, que discute o papel da Polícia Militar. Histórias tristes de morte e opressão, histórias bonitas de resistência e compaixão.

Daniel teve o filho assassinado pela PM (foto Sônia Pinheiro)

“A notícia é a pior possível”, disse o chefe dos enfermeiros. Ao entrar no Hospital Regional de Osasco, o eletricista Daniel Eustáquio de Oliveira, 50 anos, sabia apenas que seu filho, César Dias de Oliveira, 20 anos, havia sido baleado quando voltava para casa dirigindo a motocicleta que comprara dez dias antes. Assim que ouviu as palavras do enfermeiro, porém, Daniel entendeu tudo. “Meu filho está morto”, disse. “Está”, confirmou o enfermeiro. Daniel começou a chorar. “Mas como?”, perguntou. “Cinco tiros”, foi a resposta. “Esses ladrões sem vergonha, além de tentar roubar meu filho, ainda mataram ele com cinco tiros”, desabafou. O enfermeiro o corrigiu: “Foi a polícia que matou seu filho”. Daniel parou de chorar na hora. Na saída, olhou para o grupo fardado de policiais militares na entrada do hospital e fez uma promessa: “Eu vou provar que vocês mataram um inocente”.

No dia 1º de julho, o filho de Daniel e o amigo dele, Ricardo Tavares da Silva, também de 20 anos, que estava na garupa da moto, entraram para a lista de 182 pessoas mortas pela Polícia Militar na cidade de São Paulo nos sete primeiros meses do ano, período em que a Secretaria da Segurança Pública registrou um total de 907 homicídios. Os números mostram que, a cada cinco pessoas assassinadas no município, uma foi vítima da polícia. Denúncias de abusos envolveram várias destas mortes, entre elas a do publicitário Ricardo Prudente de Aquino, baleado após fugir de uma abordagem policial, em 19 de julho. Três PMs foram presos pelo crime, que teve mais repercussão na mídia do que todos os demais, por envolver uma vítima que fugia ao padrão habitual de jovens negros e pobres da periferia.

Na mesma época em que Daniel, os dois Ricardos e tantos outros eram mortos, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovava a recomendação de abolir a Polícia Militar como forma de combater a violência do Estado brasileiro. Foi em 30 de maio, quando o Brasil passou pela Revisão Periódica Universal do Conselho, uma espécie de prova à qual todos os países são submetidos. Na ocasião, o governo da Dinamarca sugeriu “abolir o sistema separado de polícia militar” com o objetivo de “reduzir a incidência de execuções extrajudiciais pela polícia”.
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Tamo junto

Não existe separação. Se estamos todos juntos, compartilhando os mesmos passos da dança que a Terra faz em volta do Sol, e das tantas danças que o mesmo Sol dança em volta de outras estrelas. Se nem a morte pode separar de verdade seja os que se amam, seja os que se odeiam. Se sempre vou carregar comigo as marcas deixadas por todos que passaram por mim. Se o que hoje é meu corpo será parte de outros corpos um dia. Se a substância que forma hoje o meu corpo já esteve unida à substância de todos os outros corpos, compartilhando o espaço de uma cabeça de alfinete antes do faça-se a luz.

A gente gosta de acreditar que pode se separar dos outros, e saímos erguendo barreiras. Mudamos de casa, cidade ou país, trocamos de rotas, alteramos números de celular, evitamos determinadas festas. Muros são erguidos entre palestinos e israelenses, ou entre alemães e alemães. Campos de concentração recebem judeus, e pretos pobres são despejados na periferia. Tudo para manter a ilusão de uma separação possível. Barreiras podem ser feitas de tijolos, olhares, palavras ou dinheiro, não importa: tudo vai virar a mesma coisa quando o nosso Sol, na sua crise de meia-idade, engordar sem parar até nos devorar.

A vida tem um jeito de tirar um barato de quem acredita que as separações são possíveis. Como se a gente pudesse viver nossas vidas isolados uns dos outros. É aí que a vida arma encontros inesperados entre antigos amantes ou obriga inimigos a trabalharem juntos. Faz a cultura da periferia explodir no centro. Promove aquecimentos globais e desaquecimentos econômicos que obrigam povos diferentes a conversar, olhando além das ilusões das fronteiras.

Então, Maria, estamos todos juntos. Estamos todos juntos, Quézia, Vitória, Ohana. Ir para outro apartamento, dormir numa outra cama, levar outras chaves no bolso. Nada disso é separação, que separação não existe. Estamos só descobrindo outro jeito de viver juntos. Que juntos estaremos sempre.

Religiões diferentes

“Árvore da Vida”, de Gustav Klimt

Sem dúvida, cada tradição espiritual tem suas diversas escolas e Linhas, assim como na Terra, embora quanto mais adiante se prossiga na hierarquia do Céu, mais próximas as Linhas se encontram, em princípio, até não se diferenciar entre o místico sufi e o budista, entre o hindu e o cristão. Nesse nível, muito pouco separa o mago do gnóstico, o maçom do xamã. Aqui o Ensinamento é o mesmo, enquanto a forma se dissolve em conteúdo e significado essencial.

Podemos perguntar por que existem tantas religiões diferentes, se há apenas um Ensinamento verdadeiro; o qual, observamos na história da humanidade, é reivindicado por esta ou aquela seita como possuidoras da única versão. A razão disso é testemunhada pelo fato de que essa dissensão é encontrada apenas nos níveis mais baixos de compreensão, onde uma multiplicidade de visões geradas por condições físicas e sociais expressa uma lei universal — que quanto mais distante se está da origem da realização, mais localizada e particular será a apreensão da realidade total. Uma visão total só é encontrada quando se está em união com o divino, onde nenhuma separação ocorre. Contudo, este é um estado supremo de evolução, e entre o primeiro e o último passo do caminho espiritual existem muitos degraus e desvios. Por isso existem tantas portas no mundo comum. Estão ali para colocar um explorador em contato com outros no Caminho.

Z’ev ben Shimon Halevi, Escola de Kabbalah

Veteranos eternizados

Matéria que fiz para a revista TAM Airborne (salve Ana Luiza e Leonardo Vinhas!) sobre os bastidores de Jambocks, quadrinho muito bacana sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Foi muito bacana conhecer o roteirista Celso Menezes e a sua luta para contar uma história do jeito que ela deve ser contada.

Cena de “Jambocks”

A guerra chegou sem aviso para Celso Menezes. O primeiro bombardeio o atingiu dentro de uma loja, em 2008, quando encontrou uma edição da revista “National Geographic” sobre a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Foi um ataque certeiro. Logo sua cabeça explodiu em imagens de submarinos nazistas bombardeados no litoral carioca, monomotores com boca de tubarão devorando o ar sobre o canal do Panamá e um avestruz atrevido atacando os inimigos em cima do lema “Senta a pua”. Ele havia encontrado uma história para contar. (mais…)